Por: Ana Gabriela Vasconcelos e Stephanie Suerdieck
A história da Venezuela no centro do jogo do poder começou em 1922, quando arrebentou o primeiro poço de petróleo. Seis anos depois, o país já era o primeiro exportador do mundo. Hoje, o quinto no planeta, tem divisas geradas em torno de 26% do PIB e é responsável por 50% do ingresso fiscal e 80% das exportações. São 3 milhões de barris por dia. Sem dúvida, é um país com grandes potenciais naturais e que pode ajudar, e muito, na economia latino-americana se agregado ao bloco econômico do Mercosul.
Os deputados da Comissão de Constituição e Justiça do Brasil (CCJ) aprovaram a proposta para que a Venezuela se torne membro do Mercosul, por 44 votos a 17. O relator da proposta, o deputado Paulo Maluf, recomendou a aprovação e disse que o ingresso da Venezuela no Mercosul beneficiará o Brasil, apesar de ter classificado o presidente Hugo Chávez como um “aspirante a ditador”. Os presidentes de Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai já haviam aprovado, em julho de 2006, a entrada da Venezuela no bloco, mas nem o Congresso do Brasil, nem o do Paraguai deram sinal verde para a adesão.
Chávez reclamou inúmeras vezes da demora no processo legislativo brasileiro e acusou os senadores do país de defenderem interesses norte-americanos, por terem pedido que ele revisse a polêmica decisão de não renovar a licença de um canal de TV crítico ao seu governo. Há quem diga que a união faz a força, mas, para muitos, Hugo Chávez não passa de um ditador. Então, neste processo de coalizão da Venezuela com os países do Mercosul existem posicionamentos divergentes, fundamentados na política centralizadora chavista.
Há de se convir que as pesadas críticas ao líder venezuelano também recaem sobre seu parceiro, Lula, sobre o qual existem fortes críticas pela forma como vem conduzindo seu governo, com base em alianças vulneráveis e questionáveis, respaldado nos interesses macroeconômicos, em detrimento das transformações sociais que o país necessita. Os acontecimentos políticos nos dois países, em menor ou maior grau, vêm demonstrando a fragilidade da democracia nas nações latino-americanas e a necessidade de políticas realmente focadas nos avanços sociais.
Política
Vários deputados acabaram votando pela entrada da Venezuela no bloco, em defesa dos interesses econômicos brasileiros, embora a maioria também tenha objeções às políticas de Chávez, que tenta enfraquecer o capitalismo em seu país. Este contexto evidencia porque a adesão da Venezuela ao bloco do Mercosul transcorreu de forma tumultuada. Há, obviamente, uma questão econômica e política muito forte com relação à Venezuela, por trás desta tomada de posição na entrada no Mercosul: o desejo de assumir a liderança na América Latina. Gás e petróleo significam energia; energia é riqueza. Todos estão interessados nas riquezas de seus territórios. E a Venezuela, que tem a maior reserva de petróleo da América Latina e é o maior exportador deste produto para os EUA, não quer ficar de fora.
Na realidade, a adesão da Venezuela contribui diretamente para o fortalecimento desta cúpula de países em desenvolvimento agregados no Mercosul. As questões ideológicas de Hugo Chávez preocupam, mas não se sobrepõem à importância da ampliação do bloco econômico e à expansão dos negócios na América Latina. Os países sul-americanos almejam consolidar sua supremacia econômica e política no continente americano.
A diplomacia dos países envolvidos precisa estabelecer bases sólidas de entendimento em torno desta coesão, diante de aspectos como as pressões populares e as ameaças contra a democracia. A demonstração destes desafios é expressa pelos recentes acontecimentos na Venezuela, onde Chávez vem protagonizando uma articulação para perdurar no poder. Ele lidera uma reforma constitucional que, se for aprovada, aumentará seus poderes políticos e econômicos, além de garantir o direito da reeleição ilimitada para o chefe do Estado venezuelano.
A passagem para essa nova etapa expansionista torna-se uma necessidade para as burguesias centrais latino-americanas, confrontadas, a partir de um certo momento, com a retração dos campos de investimento rentável, segundo a lógica capitalista, com os limites dos seus mercados internos e regionais e, conseqüentemente, com a tendência de inserção no mercado mundial.
A aliança propõe uma melhoria nas relações internacionais com os países da América Latina e é notável a importância estratégica da Venezuela para a integração dos países latino-americanos. Sobretudo, por ser um país de grandes riquezas naturais, o que representa grandes oportunidades de geração de divisas. Ao lado do petróleo, o maior recurso do país, estão o ouro, bauxita, ferro, carvão, recursos hidroelétricos e pérolas.
A coesão confronta com a exclusão. Nesse cenário, há expectativas de um relacionamento mais apaziguador por parte do líder chavista no entendimento com seus pares, pelo menos no âmbito dos interesses do Mercosul. Os consensos, paradigmas e pactos internacionais tendem a pressionar condutas de barbárie e atitudes ditatorias que confrontam com a democracia. E Chávez certamente sofrerá estas pressões enquanto integrante desta confraria de nações.
Economia
Com a entrada da Venezuela no Mercosul, o bloco econômico terá 250 milhões de habitantes e uma área de 12,7 milhões de quilômetros quadrados. O PIB ficará em cerca de U$ 1 trilhão, 76% do da América do sul. O país liderado por Hugo Chávez vai atingir um PIB de U$$ 85,4. No âmbito político a adesão da Venezuela ao Mercosul não proporcionará nenhum benefício ao bloco.
A Venezuela vai ter de incorporar a tarifa externa comum; respeitar normas para se enquadrar dentro dos parâmetros do bloco; não poderá negociar nenhum acordo de livre comércio por conta própria e, até 2012, tem que alcançar o livre comércio. Com a entrada da Venezuela no Mercosul, ninguém poderá deter o processo de mudanças e avanços na América Latina.
Um dos mais importantes significados atribuídos ao ingresso da Venezuela no Mercosul, entretanto, é a conquista de paz na região, através da integração econômica na América do Sul. Foi assim que aconteceu com os países da Europa, após a Segunda Guerra Mundial. Ao trazer Chávez para o bloco, aumentam as possibilidades de que a Venezuela adote um tom mais moderado nas relações internacionais. Os políticos brasileiros, em sua maioria, acreditam que os ganhos de promover esta integração são bem maiores do que o isolamento da nação venezuelana.
Este processo terá ganhos imensuráveis, mas, não será fácil. Pelas regras do Mercosul, todos os seus integrantes teriam de concordar com a abertura de seus mercados aos produtos estrangeiros, o que não é bem recebido pelo governo venezuelano. Os acordos de livre comércio podem esbarrar na resistência política daquele país, como, por exemplo, diante da possibilidade de negociações em parceria com os Estados Unidos.
Os desafios simbolizados pelas condutas de Chávez e suas claras intenções de governar com mão de ferro não ofuscam a necessidade deste consenso em torno de um objetivo maior, regido pelos interesses sócio-econômicos. Afinal, aí reside a possibilidade de expansão definitiva não só para o futuro da Venezuela, como para o desenvolvimento de todos os países latino-americanos.